O risco de amputação é, juntamente com a perda da visão, o
maior medo das pessoas com diabetes, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha
no último mês de maio. Não por acaso: quanto maior o tempo de diabetes – e
quanto mais tempo a glicemia fica fora de controle – maior a possibilidade de surgir
complicações nos pés, o chamado “pé diabético”.
O nome é horrível, não? A definição OMS (Organização Mundial
da Saúde) também não é das mais reconfortantes: situação de infecção, ulceração ou também destruição dos tecidos
profundos dos pés, associada a anormalidades neurológicas e vários graus de
doença vascular periférica, nos membros inferiores de pacientes com diabetes
mellitus..
Vamos entender: o chamado “pé diabético” pode ser
considerado uma síndrome, pois é uma condição derivada da associação de
diversas complicações da glicemia descontrolada.
Tudo começa com a neuropatia (leia Á flor da pele),
complicação caracterizada por danos aos nervos, impedindo a transmissão de
mensagens para os pés, que começam a perder sensibilidade. Ao mesmo tempo, os
músculos intrínsecos do pé ficam sem o estímulo nervoso e atrofiam, causando
fraqueza muscular e até mesmo dificuldades para caminhar. É alta a incidência
de joanete, pé cavo e dedos em garra (os ossos, sem a força da musculatura, se
deslocam de forma inadequada). Também são frequentes as rachaduras na pele, já
que a neuropatia causa anidrose (menor sudorese), tornando a pele da região
ressecada e mais suscetível a rupturas.
O cenário se torna então propício ao surgimento de úlceras,
que podem ser causadas por traumas externos ou pela distribuição anormal da
pressão interna dos ossos. A baixa sensibilidade reduz ou mesmo elimina a dor e
o incômodo, o que impede atitudes protetoras, como tirar a pedrinha que está
machucando no sapato ou mudar o padrão de marcha para não sobrecarregar a área
ferida.
Para piorar, tem-se a doença arterial periférica, com a
redução do fluxo de sangue (logo, de oxigênio e nutrientes) para os pés,
intensificando os danos aos nervos e dificultando a cicatrização das úlceras.
Ruim, não é?
Pior: no mundo inteiro, a síndrome do pé diabético afeta
6,4% dos indivíduos com diabetes, segundo a IDF (International Diabetes Federation).
O problema é mais frequente em homens e no diabetes tipo 2. Está ligada à
idade, ao tempo de diabetes, à glicemia descontrolada e a comorbidades, como
hipertensão e tabagismo.
Claro que a situação é mais problemática nos países em
desenvolvimento, onde 25% das pessoas com diabetes desenvolverão pelo menos uma
úlcera do pé durante a vida. O problema é que apenas 2/3 das lesões cicatrizam
e 28% resultam em algum tipo de amputação. A cada ano, 1 milhão de pessoas com
diabetes, de todo o planeta, perdem uma parte do pé ou perna. São 3 amputações
por minuto. Uma amputação a cada 20 segundos.
Esses números alarmantes tornam o pé diabético um problema
de saúde pública. É uma das complicações do diabetes que geram mais custos para
o sistema de saúde, público e privado. Custos relacionados principalmente às
hospitalizações, mas também com o tratamento e acompanhamento de pacientes
ambulatoriais. Sem contar os custos não médicos, com perda de produtividade, compra
e manutenção de órteses e próteses, assistência domiciliar e serviços sociais
para pacientes que sofreram amputação.
Apesar da prevalência e gravidade, a síndrome do pé
diabético continua a ser sub-diagnosticada e sub-tratada. A própria IDF alerta que
poucos profissionais de saúde sabem reconhecer os sinais da neuropatia
periférica e/ou como lidar e tratar o pé diabético. Estudo multicêntrico
realizado no Brasil em 2006 mostra que 58% dos pacientes com DM2 atendidos em
centros especializados e não especializados não tiveram seus pés examinados
pelos profissionais de saúde. O estudo tem mais de 10 anos, mas a realidade não
mudou muito.
O importante é saber que o problema dos pés no diabetes pode
ser prevenido. E, quando aparece, o manejo correto e abrangente pode reduzir o
risco de amputação e complicações em até 85%.
Por isso, em 2017 a IDF lançou um guia com recomendações
para a prevenção primária do pé diabético. O objetivo principal é conseguir a
detecção precoce de problemas, evitando desfechos traumáticos. O guia, como
reforça a IDF, não serve apenas para as clínicas especializadas em cuidados com
os pés, mas para todos os profissionais que lidam com a pessoa com diabetes.
A ideia é que os profissionais de saúde examinem os pés do
paciente, tenha ele sintomas ou não. A recomendação é que, além do exame
clínico, sejam realizadas periodicamente a avaliação de sensibilidade protetora
(testes diapasão e monofilamento) e avaliação de vascularização (palpação dos
pulsos dos pés).
O guia da IDF lembra que é preciso identificar e tratar as
úlceras e áreas pré-ulcerativas. O objetivo deve ser manter a pessoa com diabetes
capaz de caminhar, não só pelos motivos óbvios, mas porque caminhar é uma forma
simples e eficaz de atividade física que ajuda a controlar a glicemia. Lembrando que a neuropatia periférica não é
contra-indicação para exercício. É possível manejar o tipo, a intensidade e a
duração de forma a garantir que a atividade seja realizada para prevenir inclusive
o avanço da própria neuropatia.
Volto a afirmar: os problemas nos pés PODEM SER EVITADOS. Não apenas com a manutenção da glicemia sob
controle, mas com uma série de cuidados com os pés. Quer saber mais? Veja no
próximo post.
Fontes:
- Sociedade Brasileira de Diabetes – Diretrizes 2017-2018
- IDF: https://www.idf.org/e-library/guidelines/124-diabetic-foot-screening-pocket-chart.html
- International Working Group on the Diabetic Foot (IWGDF): https://www.aogp.com.au/wp-content/uploads/2017/08/IWGDF-Guidance-Infection-1.pdf
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