Zilda tem 66 anos e diabetes tipo 2. Tive o prazer de estar ao lado dela durante toda a meia maratona. O percurso, na zona oeste da capital paulista, é muito familiar a essa mineira de coração paulistano que morou boa parte da vida na região do Butantã. Foram mais de 3 horas de muitas histórias e recordações, algumas alegres, outras nem tanto.
Vencer os 21.097 km da Meia de Sampa foi apenas mais um dos muitos momentos de superação na vida de Zilda. O pai morreu cedo, por causa do diabetes, e crescer foi uma batalha constante ao lado da mãe e dos oito irmãos.
Passou os primeiros anos após diagnóstico controlando o
diabetes com dieta e exercício. “Sempre fiz muito esporte. E adoro dançar”.
Depois vieram os medicamentos e, com eles, alguns incômodos. Mais tarde, um
cateterismo e a insulina.
Tempos atrás, conheceu a ADJ Diabetes Brasil e contou do
sonho de começar a correr. Foi parar na Nova Equipe, assessoria esportiva, e
começou a treinar com Emerson Bisan, corredor/treinador com diabetes tipo 1.
Vivendo dos escassos recursos da aposentadoria, demorou para conseguir apoio
para participar da primeira corrida.
Nada foi – nem é – fácil.
Zilda se trata pelo SUS, usa insulinas NPH e Regular, o que lhe traz
muitas oscilações glicêmicas, impedindo que o controle se mantenha sempre bom. “O
acesso aos medicamentos, ao médico é difícil”.
Incansável, Zilda não desanima. Além da corrida, faz dança
afro, outra paixão. Depois da meia maratona de domingo, já está se preparando
para uma maratona inteira, o sonho maior. “Difícil é, mas não tenho mais medo. Passou
todo esse tempo e eu estou aqui. É o que importa”.
Susto, algum alívio,
nenhuma surpresa
Quando recebeu o diagnóstico de diabetes, Henrique não teve
medo. Nem surpresa. Na época, cuidava de sua mãe, que tinha diabetes tipo 2 e
também feridas de difícil cicatrização. “Já tinha histórico familiar, mãe e
tias, para mim pareceu coisa perfeitamente normal, esperada.” A reação de
Henrique foi aprender. “Comecei a me informar, estudar, procurar dicas,
informações para não chegar ao mesmo ponto que minha mãe chegou. Acompanhei
blogueiros, médicos, curiosos, nutris, gente que sabia de tudo e gente que não
sabia nada. Minha vida ficou mais saudável”. Henrique, 54 anos, tem diabetes
tipo 2.
Para Sílvia, receber o diagnóstico de diabetes foi um
alívio. “Eu estava passando muito mal e achava que era menopausa precoce”. O pai de Silvia tinha diabetes e sempre se
cuidou. A boa referência ajudou na aceitação. Mas demorou quase 10 anos para que
ela de fato aprendesse a lidar adequadamente com o diabetes. “Hoje em dia me
cuido apoiada em muita informação”. Silvia, 60 anos, tem diabetes tipo 2.
“Foi assustador”. Assim Breno define
o momento em que descobriu ter diabetes, “Meu mundo desabou, a vida tinha
acabado. Mas daí percebi que estava me fazendo de vítima e eu não queria ser
vítima”. Breno passou então pelo que chama de processo de conscientização.
“Passei a me cuidar muito mais, me observar muito mais no dia a dia.” Breno,
50 anos, tem diabetes tipo 2.
Henrique, Silvia e Breno, assim como Zilda,
são alguns dos poucos exemplos que encontrei de pessoas que lidam bem com o
diabetes tipo 2. Poderiam ser chamados de “DM2 assumidos”, que “saíram do
armário”, venceram o estigma, o medo e até mesmo a vergonha para encarar o
autocuidado.
Para Silvia, a maior dificuldade
sempre foi o preconceito. “As pessoas te tratam como um ser frágil, debilitado,
quase incapaz de viver uma vida normal como todo mundo. A desinformação sobre o
diabetes e sobre a convivência com o diabetes é muito grande.” Breno
complementa: “As pessoas têm sim receio, de conviver, de cuidar de alguém com o
diabetes. Mas não falar sobre a doença contribui para o preconceito”.
Silvia concorda que assumir o
diabetes traz confiança e autoestima, o que não apenas reduz o preconceito como
favorece a adesão ao tratamento. Depois do diagnóstico, ela emagreceu 10 kg e mantém
o diabetes sem atropelos, com hábitos saudáveis apoiando a ação dos
medicamentos.
Para controlar o diabetes, Henrique toma dois medicamentos,
adotou uma alimentação saudável e faz atividade física diariamente – cerca de
90 minutos de caminhada. “Ainda vou voltar a correr”, planeja o ex-maratonista.
“Um tempo antes do diagnóstico, tive uma lesão no tendão calcâneo. Deixei de
correr, mas continuei comendo. Acho que foi o gatilho”.
Breno também mudou a alimentação
depois do diabetes. E a atividade física virou vício. “Isso não significa que
não houve choro, que não houve tristeza, que não houve arrependimentos.
Significa que mudanças precisavam ser feitas”. Aos poucos, começou a gostar da
nova vida. Emagreceu quase 30 kg e deixou de fazer uso tanto da insulina quanto
da medicação oral. “Se vier a usar futuramente, vou compreender. O organismo
muda, envelhece. Mas para chegar nesse equilíbrio precisei passar por tudo isso”.
Henrique garante nunca ter tido
dificuldades em aceitar o diabetes. “Sem vergonha de ser DM2” é o lema do perfil que criou no Instagram, o @diabeticofobia,
que tem mais de 5 mil seguidores. A
ideia é tratar o diabetes com bom humor. “Publico coisas bem humoradas, quero
divertir as pessoas. Muita gente agradece porque dão risada com os meus posts e
acabam aceitando melhor a doença. Gostaria que as pessoas com diabetes tivessem
uma vida mais leve, mais bacana."
Como assistente social, Sílvia também procura ajudar outros que têm diabetes. Principalmente levando cada um a descobrir sua própria capacidade de superação, de renovação, de enfrentamento. "Isso é muito legal", completa.
Leia também:
Os assumidos
Estigma
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