terça-feira, 2 de outubro de 2018

Os assumidos - parte 2 (a história de Zilda, Henrique, Sílvia e Breno)

Há cerca de 30 anos, quando Zilda recebeu o diagnóstico de diabetes, primeiro veio o medo. A doença havia levado não só o pai, mas também um irmão, ambos com pouco mais de 40 anos de idade. “Achei que teria poucos anos de vida”. Depois, veio a força. “Não adiantava parar no medo. Resolvi seguir em frente, assumir o diabetes”. No último domingo, Zilda participou pela primeira vez de uma corrida de rua – uma meia maratona. Estava feliz. “Hoje eu não tenho mais medo.”

Zilda tem 66 anos e diabetes tipo 2. Tive o prazer de estar ao lado dela durante toda a meia maratona. O percurso, na zona oeste da capital paulista, é muito familiar a essa mineira de coração paulistano que morou boa parte da vida na região do Butantã. Foram mais de 3 horas de muitas histórias e recordações, algumas alegres, outras nem tanto.

Vencer os 21.097 km da Meia de Sampa foi apenas mais um dos muitos momentos de superação na vida de Zilda. O pai morreu cedo, por causa do diabetes, e crescer foi uma batalha constante ao lado da mãe e dos oito irmãos.
Passou os primeiros anos após diagnóstico controlando o diabetes com dieta e exercício. “Sempre fiz muito esporte. E adoro dançar”. Depois vieram os medicamentos e, com eles, alguns incômodos. Mais tarde, um cateterismo e a insulina.

Tempos atrás, conheceu a ADJ Diabetes Brasil e contou do sonho de começar a correr. Foi parar na Nova Equipe, assessoria esportiva, e começou a treinar com Emerson Bisan, corredor/treinador com diabetes tipo 1. Vivendo dos escassos recursos da aposentadoria, demorou para conseguir apoio para participar da primeira corrida.

Nada foi – nem é – fácil.  Zilda se trata pelo SUS, usa insulinas NPH e Regular, o que lhe traz muitas oscilações glicêmicas, impedindo que o controle se mantenha sempre bom. “O acesso aos medicamentos, ao médico é difícil”.

Incansável, Zilda não desanima. Além da corrida, faz dança afro, outra paixão. Depois da meia maratona de domingo, já está se preparando para uma maratona inteira, o sonho maior. “Difícil é, mas não tenho mais medo. Passou todo esse tempo e eu estou aqui. É o que importa”.

Susto, algum alívio, nenhuma surpresa
Quando recebeu o diagnóstico de diabetes, Henrique não teve medo. Nem surpresa. Na época, cuidava de sua mãe, que tinha diabetes tipo 2 e também feridas de difícil cicatrização. “Já tinha histórico familiar, mãe e tias, para mim pareceu coisa perfeitamente normal, esperada.” A reação de Henrique foi aprender. “Comecei a me informar, estudar, procurar dicas, informações para não chegar ao mesmo ponto que minha mãe chegou. Acompanhei blogueiros, médicos, curiosos, nutris, gente que sabia de tudo e gente que não sabia nada. Minha vida ficou mais saudável”. Henrique, 54 anos, tem diabetes tipo 2

Para Sílvia, receber o diagnóstico de diabetes foi um alívio. “Eu estava passando muito mal e achava que era menopausa precoce”.  O pai de Silvia tinha diabetes e sempre se cuidou. A boa referência ajudou na aceitação. Mas demorou quase 10 anos para que ela de fato aprendesse a lidar adequadamente com o diabetes. “Hoje em dia me cuido apoiada em muita informação”. Silvia, 60 anos, tem diabetes tipo 2.

“Foi assustador”. Assim Breno define o momento em que descobriu ter diabetes, “Meu mundo desabou, a vida tinha acabado. Mas daí percebi que estava me fazendo de vítima e eu não queria ser vítima”. Breno passou então pelo que chama de processo de conscientização. “Passei a me cuidar muito mais, me observar muito mais no dia a dia.” Breno, 50 anos, tem diabetes tipo 2. 

Henrique, Silvia e Breno, assim como Zilda, são alguns dos poucos exemplos que encontrei de pessoas que lidam bem com o diabetes tipo 2. Poderiam ser chamados de “DM2 assumidos”, que “saíram do armário”, venceram o estigma, o medo e até mesmo a vergonha para encarar o autocuidado.

Para Silvia, a maior dificuldade sempre foi o preconceito. “As pessoas te tratam como um ser frágil, debilitado, quase incapaz de viver uma vida normal como todo mundo. A desinformação sobre o diabetes e sobre a convivência com o diabetes é muito grande.” Breno complementa: “As pessoas têm sim receio, de conviver, de cuidar de alguém com o diabetes. Mas não falar sobre a doença contribui para o preconceito”.
Silvia concorda que assumir o diabetes traz confiança e autoestima, o que não apenas reduz o preconceito como favorece a adesão ao tratamento. Depois do diagnóstico, ela emagreceu 10 kg e mantém o diabetes sem atropelos, com hábitos saudáveis apoiando a ação dos medicamentos.
Para controlar o diabetes, Henrique toma dois medicamentos, adotou uma alimentação saudável e faz atividade física diariamente – cerca de 90 minutos de caminhada. “Ainda vou voltar a correr”, planeja o ex-maratonista. “Um tempo antes do diagnóstico, tive uma lesão no tendão calcâneo. Deixei de correr, mas continuei comendo. Acho que foi o gatilho”.
Breno também mudou a alimentação depois do diabetes. E a atividade física virou vício. “Isso não significa que não houve choro, que não houve tristeza, que não houve arrependimentos. Significa que mudanças precisavam ser feitas”. Aos poucos, começou a gostar da nova vida. Emagreceu quase 30 kg e deixou de fazer uso tanto da insulina quanto da medicação oral. “Se vier a usar futuramente, vou compreender. O organismo muda, envelhece. Mas para chegar nesse equilíbrio precisei passar por tudo isso”.
Henrique garante nunca ter tido dificuldades em aceitar o diabetes. “Sem vergonha de ser DM2” é o lema do perfil que criou no Instagram, o @diabeticofobia, que tem mais de 5 mil  seguidores. A ideia é tratar o diabetes com bom humor. “Publico coisas bem humoradas, quero divertir as pessoas. Muita gente agradece porque dão risada com os meus posts e acabam aceitando melhor a doença. Gostaria que as pessoas com diabetes tivessem uma vida mais leve, mais bacana." 
Como assistente social, Sílvia também procura ajudar outros que têm diabetes. Principalmente levando cada um a descobrir sua própria capacidade de superação, de renovação, de enfrentamento. "Isso é muito legal", completa. 

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