A hemoglobina glicada tem sido usada desde o início dos anos
90 – mais precisamente a partir de 1993, após a publicação do famoso estudo
DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) – como parâmetro de controle do
diabetes (leia "Hemo"...o quê?).
Há alguns anos, porém, com a disseminação do uso dos
sistemas de monitoração contínua de glicose (CGM, do inglês continuous
glucose monitoring), surgiu um jeito diferente de olhar a glicemia. E, com
isso, um novo conceito para se estabelecer se os níveis de açúcar no sangue estão
ou não como deveriam: o tempo no alvo (ou, em inglês, time in range).
Ah, você já ouviu falar! Mas é coisa para diabetes tipo 1,
certo? Nada disso. Tanto a monitorização contínua como o tempo no alvo (ou
tempo na meta) são conceitos e práticas que podem ser bem úteis também para o
DM2.
Falando primeiramente em monitorização contínua da glicemia.
É aí que a mudança começa. Os aparelhos de monitorização contínua aferem a
glicemia no fluido intersticial, ou seja, no líquido entre as células –
portanto, é diferente da glicemia capilar, medida na ponta do dedo e que capta
o sangue dos capilares sanguíneos (pequenos vasos periféricos, nada a ver com
cabelos, ok?).
A tecnologia já existe há alguns anos, mas antes estava
restrita aos usuários de bomba de insulina (Sistema de Infusão Contínua). Há
cerca de 3 anos, chegou ao mercado o Free Style Libre, da Abbott, que pode-se
dizer “popularizou” a monitorização contínua de glicose. Porque funciona de
forma independente do tipo de tratamento utilizado. Ou seja, pode ser usado por
quem usa bomba, insulina e/ou medicação.
Deixando claro aqui que a monitorização contínua não é um
privilégio do Libre. Trata-se de uma
tecnologia que veio para ficar e em breve estará disponível em outros devices também no Brasil.
O que a monitorização contínua traz de revolucionário é a
possibilidade de se saber o que acontece com a glicemia O TEMPO TODO. Ou seja, mesmo
entre aquelas medições tradicionais. Pense assim: a glicemia capilar, realizada
na ponta de dedo com o glicosímetro, é uma “fotografia” do nível de açúcar no
sangue; já a aferição com um aparelho de monitorização contínua é um “filme”. Outro
diferencial do novo sistema é que aponta a tendência da glicemia (se está
estável, caindo, subindo). Uma espécie de “possíveis cenas dos próximos episódios”,
para usar a mesma imagem.
Vantagens para o controle? Diversos estudos têm atestado a
melhora da hemoglobina glicada devido ao uso da monitorização contínua. E
também para o DM2. Levantamento apresentado durante o último congresso da ADA (American Diabetes Association) e
divulgado no mês passado mostra que pessoas com diabetes tipo 2 (média 63 anos
de idade) tiveram redução de 1 ponto percentual nos níveis de hemoglobina
glicada depois de 3 a 6 meses de uso da monitorização contínua. Lembrando que
essa redução aconteceu sem que houvesse qualquer alteração no tratamento.
Ajustes nas doses de insulina ou na medicação ocorreram, é claro. Mas o impacto
mais sensível da monitorização contínua é sobre o comportamento da pessoa com
diabetes. Porque evidencia o que acontece com a glicemia nas mais diversas
situações. Traz, em síntese, autoconhecimento.
A monitorização contínua corrobora o que médicos e demais profissionais de saúde
que lidam com diabetes já sabiam na teoria: manter a hemoglobina glicada dentro
da meta (até 7%) nem sempre significa um controle super eficaz. A HbA1C é a
média da glicemia nos 3 meses passados. E, como média, pode ser obtida a custa
de muitas oscilações entre hipos e hiperglicemias. Daí é que surge o conceito
de tempo no alvo como forma de se
estabelecer um controle ainda mais efetivo. Como o próprio nome diz, significa por
quanto tempo – no último mês, semana ou qualquer
período selecionado – a pessoa permaneceu com as glicemias dentro da meta
(normalmente entre 70 e 180 mg/dl). Quanto maior esse período no alvo, melhor.
A monitorização contínua permite que o tempo no alvo seja
conhecido e que possa ser usado como parâmetro. O ideal é manter as glicemias
na meta durante pelo menos 70% do tempo, o que equivale a ter uma hemoglobina
glicada de 7% -- portanto, dentro do adequado para se evitar as complicações. Lembrando
que as hipoglicemias (menos do que 70 mg/dl) devem estar presentes no máximo 4%
do tempo. E as glicemias elevadas (mais do que 250 mg/dl) não devem ultrapassar
25% das taxas obtidas.
A monitorização contínua ainda não é acessível a todos,
infelizmente. Usada ininterruptamente, tem custo de quase R$ 500,00 mensais. É
possível experimentar apenas por um período (o sensor do FreeStyle Libre dura 14 dias), como uma espécie de avaliação para
se detectar problemas no controle.
A expectativa é que novos dispositivos cheguem ao mercado,
aumentando a concorrência e reduzindo o preço. E, principalmente, tornando
possível para mais pessoas encontrar um controle glicêmico ainda mais acurado.
Para saber mais: